A última vez que traí
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Ela me olhava como se eu tivesse chutado uma senhora atravessando a rua, mas pior. Não tinha nem como disfarçar — eu estava com as mãos, boca e alma onde não deveria, e ela me pegou no ato. Penso em várias enrolações, desculpas, estórias mirabolantes, mas nenhuma iria convencê-la — me conhecia bem demais. Dizem que se apenas aceitar, dói menos…
- Não pode ser…
- Olha, eu posso explic—
- Eu botei tanta confiança em você! Tanta fé! E você me faz isso?
- Deixa eu explicar!
- Depois de tudo que passamos? E ainda por cima na frente do meu trabalho?!
- Eu juro que eu não tinha a intenção!
- “Eu não tinha a intenção!” Covarde! Ainda por cima quer mentir pra mim!
- Bom, ok, eu tinha a intenção. Mas não foi por mal!
- Você já fez isso mais vezes?
- Olha, acho que não vale a pena entrar nesse mérito…
- Você. Já. Fez. Isso. Mais. Vezes?
- Bom… Algumas…
- Eu não acredito!
- Mas é muito difícil, é mais forte que eu! Não tenho chance nem de pensar antes de me entregar!
- O quê?! Como você tem coragem de me falar isso!?
- Bom, você perguntou.
- Olha aqui, presta muita atenção. Muita. Atenção. Eu confiei em você. Fizemos promessas, eu cuidei de você, te levantei e mudei sua vida. De cabeça para baixo.
- Eu sei e não quer —
- Eu não acabei de falar. Você, seu homenzinho patético, não seria nada sem mim. Nada! Está entendendo?!
- Olha, eu sei que você está chateada, mas vamos conversar isso de uma maneira mais calma!
- Calma o seu rabo! Nunca mais apareça na minha frente!
Tentei, mas não tinha jeito — a confiança partida de minha nutricionista jamais iria se recuperar de um trauma tão grande, ao ver seu paciente se acabando num hambúrguer duplo, com queijo Cheddar extra e tripla camada de bacon.
Talvez se eu não tivesse pedido o bacon ela teria me perdoado, mas acho que seria o mesmo que dizer “Calma, foi só um beijinho”.