Orgia puritana no Restaurante
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Fazia tempo que um match pudesse ser tão interessante: música clássica, gostava de ler, perfil surfista-business. Carol, dessa vez, havia acertado o pote de ouro ao combinar com Luciano, o intrigante advogado tributário. Um cara de “pegada“, potencializado pela atitude de chamá-la para jantar em um restaurante que poucos teriam iniciativa de propor, em função de sua estética e preço.
Cada maquiagem era cuidadosamente colocada no rosto — Carol se orgulhava em saber como usar cada vidrinho na frente do espelho. Uma grande covardia da parte dela, já que o sorriso dessa moça não precisa nem um batom pra tirar suspiros alheios. Passou horas para chegar no resultado que queria e de quebra aproveitou para comprar aquele vestido que sempre quis, numa loja de um bairro elitizado.
Ela não é a primeira chegar, apesar de estar adiantada em 15 minutos — seu pré-amor lhe aguardava com uma garrafa de vinho tinto pela metade e duas taças, embora apenas uma estivesse cheia. Um beijinho no rosto e uma tentativa frustrada de abraço motiva a Carol a sentar rapidamente. Já desviando o pouco contato de olhos que fizera, Luciano se vira para o garçom ele pede cinco entradas — ostra, tentáculos de polvo, camarão ao bafo, iscas de tilápia e, por que não, carpaccio?!
A pergunta do “Você conhece bem esse restaurante?“ ganha uma rápida monossílaba como resposta. O vinho e o restante do cardápio pareciam amores mais dignos de atenção, notável pelo tom mudo que a interação entre o potencial casal 20 ganhou logo em seguida. Ela até tentou outras investidas de conexão humana, mas parecia que a entrada de três pinos não aceitava tomada de dois risquinhos.
“Você quer algo?", Luciano pergunta rapidamente, logo após chamar o garçom novamente e pedir seis pratos principais e mais uma garrafa de vinho (mesmo que a anterior estivesse ainda pela metade). Ele se vira novamente para os pratos antes que ela possa responder.
As entradas estavam timidamente consumidas, porém poderiam alimentar um batalhão da polícia militar — era uma verdadeira uma orgia gastronômica — puritana, já que pouco consumada. Com a mesa mais estufada que um show de Sandy Júnior, monólogo do silêncio se instaura novamente, embora não dure muito:
“Me traz um petit gateau, O pudim de doce de leite, o sorvete de morango, frutas lambada e um café.” A noite já estava estranho suficiente, até o momento que o advogado, antes da chegada do Exército de carboidratos, pede licença e Vai banheiro — do qual jamais retornou.
Carol encerra sua noite sozinha com monólogo do silêncio, com um pedaço de papel que lhe cobrava R$1.600,00 pelo estacionamento dos pratos em sua mesa. Mastercard facilitou sua vida, igualzinho à propaganda, quando gerente do restaurante propôs parcelar a conta em algumas parcelas.
As cenas seguintes se resumiram a descobrir que Luciano a bloqueara em todas as redes sociais e contatos. Telefonemas iam direto para caixa de mensagens (agora, entupidas com maldições de todas as religiões possíveis, por autoria da Carol) e SMSs faziam parte de um limbo desconhecido. Prometera jamais utilizar esses aplicativos — eram cheios de psicopatas e desesperados. Não precisava disso, era uma mulher digna, que não tinha tempo para perder com pessoas perdidas e desalmadas como esses homens com quem conversara.
Estava pronta para deletar o app de sua vida e finalmente começaria suas aulas de pintura — faria Monet parecer pintura de criança… Mas eis que surge Bernardo, o novo rostinho que acabou de aparecer numa barrinha de seu celular.
“Que lindo sorriso, moça” — e o mundo fica cor de rosa novamente.